Perspectiva do analista: COVID-19 e a categoria de alimentos e bebidas

“O surto de COVID-19 causou grande impacto na categoria de alimentos e bebidas. O agravamento da crise econômica vem levando a indústria e consumidores a encontrar maneiras criativas de se adaptarem à nova realidade, o “próximo normal”, em que os consumidores não são apenas limitados por seus orçamentos, mas também são mais críticos e bem informados sobre suas escolhas alimentares. Durante o período de isolamento social os brasileiros cozinharam em casa com mais frequência, prestando mais atenção às informações nutricionais e favorecendo opções alimentares mais saudáveis. Eles também se conscientizaram muito mais em relação à higiene e segurança alimentar e compreenderam como seus hábitos alimentares estão relacionados à saúde física e mental. As experiências sociais também passaram a ter um papel mais importante, e os consumidores perceberam que suas escolhas de compra também são uma decisão social e ética, com a capacidade de apoiar a economia local.”
– Ana Paula Gilsogamo, Analista sênior de alimentos e bebidas

Principais destaques

A pandemia causou impactos muito pronunciados em diversas categorias de alimentos e bebidas, tanto para consumo em casa, compradas no varejo, quanto na categoria de foodservice, com consumo e compra de alimentos e bebidas fora de casa.

Especialmente no curto prazo, o fechamento ou restrição no funcionamento de restaurantes, lanchonetes, bares, confeitarias, cafeterias e outros estabelecimentos alimentícios adotado por diversas cidades como medida para evitar o contágio da COVID-19 tiveram um grande impacto negativo na alimentação fora de casa. Por outro lado, essas mesmas medidas ampliaram a demanda da categoria para o consumo em casa, motivando os brasileiros a prepararem mais suas refeições do zero e a procurarem opções que atendam à necessidade de fazer uma maior quantidade de refeições em casa, diariamente. De acordo com o Tracker Global COVID-19 Mintel - Brasil, de 28 de maio a 15 de junho de 2020, 60% dos brasileiros afirmaram estar dando maior prioridade ao gasto com mantimentos em decorrência da COVID-19. Apesar dessa maior demanda para o consumo em casa no curto prazo, muitas subcategorias, como é caso das bebidas alcoólicas, bastante consumidas em ocasiões fora de casa, não conseguiram compensar a queda no consumo/compra fora de casa e manter seu volume total de vendas.

No médio prazo, com o relaxamento das medidas de isolamento social, alguns consumidores, sem dúvida, retomarão gradativamente os hábitos de consumo e compra de alimentos e bebidas fora de casa, mas haverá boa parte da população que continuará preocupada em frequentar locais de grande movimentação e optará por realizar celebrações e ocasiões de refeição em menor escala em casa. Neste cenário, a chave para o setor de alimentos e bebidas em geral é fornecer alternativas viáveis e acessíveis ​que sejam atraentes para os dois tipos de consumidor, à medida que passamos do isolamento social para o retorno gradativo ao normal.

No futuro, a expectativa é de que os consumidores sejam mais conservadores e retenham os gastos, desafiando ainda mais o mercado. Outros hábitos adotados durante o período de isolamento relacionados à alimentação saudável, preocupações com segurança alimentar, métodos de cozimento, produtos indulgentes e experiências continuarão impactando a categoria em médio e longo prazo.

A figura abaixo fornece uma análise de semáforo demonstrando o impacto da COVID-19 nas principais categorias incluídas neste relatório. Como o processo de reabertura de estabelecimentos alimentares como restaurantes e bares ainda não está claro, uma vez que os estados e cidades brasileiros não seguem uma diretriz unificada, a análise qualitativa destaca a perspectiva da Mintel sobre como antecipamos o comportamento do consumidor para retornar a um padrão aproximado ao anterior à COVID-19.

Espera-se que as áreas destacadas em vermelho sejam particularmente atingidas, as sinalizadas em amarelo refletem uma expectativa de impacto negativo significativo, mas gerenciável, e as áreas em verde apontam momentos em que acreditamos que o mercado enfrentará um impacto negativo atenuado ou benéfico, devido às mudanças no comportamento do consumidor.

Figura 1: Impacto da COVID-19 em curto, médio e longo prazo na categoria de alimentos e bebidas, junho 2020
Figure 2: Impacto da COVID-19 em curto, médio e longo prazo na categoria de alimentos e bebidas, junho 2020

Impacto no curto prazo (Isolamento social)

No curto prazo, em que ainda existem medidas de distanciamento social, o consumo de alimentos e bebidas em casa aumentou. O surto de COVID-19 levou ao fechamento total ou parcial de restaurantes na maioria das cidades brasileiras. As escolas também foram fechadas e os trabalhadores incentivados a trabalhar em casa, quando possível. Os serviços de entrega foram usados ​​para manter os restaurantes e bares funcionando, ainda assim, mesmo nas cidades e regiões onde os serviços de entrega possuem uma maior cobertura e disponibilidade, os consumidores se concentraram em comprar alimentos e bebidas de varejistas e cozinhar em casa com mais frequência, a fim de economizar dinheiro. Além de se preocupar com o risco de serem expostos ao coronavírus e em como o surto pode afetar seu estilo de vida e situação econômica, os consumidores tiveram de se adaptar a uma nova rotina durante a quarentena. Em muitos casos, eles foram sobrecarregados por tarefas diárias.

Os hábitos alimentares dos brasileiros têm se concentrado em manter uma boa saúde física e mental durante esse período difícil. Isso gerou uma maior busca por produtos saudáveis ​​para melhorar o sistema imunológico bem como opções com outras funcionalidades e benefícios saudáveis. Ao mesmo tempo, preocupações com a segurança alimentar, como higienização e cuidado ao manusear alimentos e bebidas, tornaram-se mais importantes para os consumidores.

Impossibilitados de visitar restaurantes, bares e eventos sociais, os consumidores passaram a contar com ferramentas digitais como videochamadas, para desfrutar de uma refeição ou tomar uma bebida alcoólica com amigos e familiares, comemorando virtualmente aniversários e outras ocasiões especiais. Essas reuniões virtuais colocaram um foco renovado em alimentos e bebidas, à medida que os brasileiros têm tentado recriar experiências coletivas em tempos de isolamento social.

Opções convenientes e indulgentes se destacaram no curto prazo. Os produtos que oferecem comodidade e ajudam os consumidores no processo de cozinhar uma refeição, por exemplo, são especialmente importantes para aqueles que foram sobrecarregados por terem de realizar várias tarefas durante o isolamento, como cuidar da limpeza da casa, dos filhos em casa com as escolas fechadas, trabalhando de maneira remota, entre outros. A incerteza em torno da pandemia levou a um ambiente no qual os consumidores lidam com um nível elevado de estresse no dia a dia. Alimentos e bebidas indulgentes ajudam os consumidores a lidar com a ansiedade e o estresse, pois proporcionam prazer e conforto emocional.

Durante esse período, marcas e empresas precisam ser ágeis e oferecer soluções de curto prazo que ajudem os consumidores a se adaptarem às medidas de distanciamento social e às incertezas decorrentes. Produtos acessíveis e saudáveis, focados em impulsionar o sistema imunológico, itens que facilitam o preparo culinário e experiências indulgentes estão em demanda. Marcas bem-sucedidas comunicarão esses benefícios de forma transparente para tranquilizar os consumidores sobre a segurança de seus produtos, destacando as medidas de higiene adotadas ao longo de sua produção.

Mudanças no mercado em médio prazo (final de 2020)

Com o relaxamento das medidas de distanciamento social no médio prazo, a recessão econômica se tornará o ponto focal. Uma taxa de desemprego mais alta acompanhada por uma grande recessão econômica tornará os consumidores mais sensíveis aos preços e os incentivará a reter os gastos, principalmente nas categorias indulgentes e premium. Mesmo assim, como cozinhar em casa se torna uma maneira de economizar dinheiro, espera-se que as vendas totais de alimentos e bebidas no varejo permaneçam altas, mesmo com os consumidores buscando sempre por opções mais acessíveis. Os consumidores sairão desse período de pandemia com uma ideia mais clara do que consideram "essencial", já que o surto provavelmente levou muitos a reavaliar o que é importante para eles. Para manter o interesse do consumidor, os fabricantes de alimentos e bebidas podem reforçar os benefícios relacionados à saúde de certos produtos.

O foodservice terá ainda mais obstáculos. Embora alguns bares e restaurantes possam abrir, muitos consumidores não se sentirão à vontade para visitá-los, mesmo com as diretrizes de distanciamento social e segurança. De acordo com Tracker Global COVID-19 Mintel - Brasil, de 28 de maio a 15 de junho de 2020, apenas 13% dos brasileiros citaram ir a um restaurante como uma das três principais coisas que mais desejam fazer com o relaxamento das medidas de distanciamento social. Além disso, à medida que a situação econômica piora, os consumidores - especialmente aqueles com situações financeiras precárias - serão forçados a diminuir a frequência a restaurantes e bares, ou deixar de frequentá-los por completo. Em médio prazo, os brasileiros recorrerão ao entretenimento doméstico para evitar locais lotados, ter maior controle de higiene e economizar dinheiro. Essas reuniões sociais e comemorações em casa podem motivar os consumidores a comprar alimentos e bebidas com preços um pouco mais elevados de maneira pontual, como cortes de carne premium ou uma marca internacional de cerveja, para tornar esses eventos mais especiais e indulgentes.

O apoio a restaurantes e bares locais será importante para os consumidores em médio e longo prazo, como forma de ajudar os pequenos restaurantes a se recuperarem após o período de isolamento. As opções locais tendem a ser priorizadas, pois são percebidas frequentemente como mais próximas e talvez mais cuidadosas e transparentes em relação a seus métodos de produção.

Mudanças no mercado em longo prazo (1-2 anos)

Em longo prazo, o consumo de alimentos e bebidas em casa deve retornar gradualmente aos níveis normais. A reabertura gradual dos restaurantes encontrará um país ainda sob o impacto da recessão econômica, o que deve resultar na continuação de um maior gasto com alimentos e bebidas no varejo do que no foodservice. Ao mesmo tempo, o comportamento do consumidor será marcado por novos hábitos e prioridades adquiridos durante o surto de COVID-19. A memória dos tempos de distanciamento social e da crise econômica também desempenhará um papel importante.

Espera-se que o hábito de cozinhar e as preocupações com a segurança dos alimentos continuem relevantes em longo prazo. Portanto, as marcas serão incentivadas a continuar desenvolvendo soluções que facilitem a preparação de refeições em casa, como carnes já temperadas, legumes e vegetais higienizados e cortados, temperos prontos e kits de refeições. Ao mesmo tempo, elas deverão oferecer produtos de qualidade e garantir a transparência em relação a seus métodos de produção, manuseio e transporte.

Como os consumidores demonstraram maior preocupação com seu sistema imunológico durante a pandemia, podem passar a se interessar mais pela saúde preventiva em longo prazo, adotando hábitos alimentares saudáveis e buscando vitaminas e suplementos que proporcionem benefícios físicos e mentais duradouros.

A recessão econômica, no curto e médio prazo, levará os brasileiros a tomar decisões focadas no preço e nas necessidades básicas, deixando pouco espaço para experiências gourmet. Em longo prazo, os brasileiros continuarão a equilibrar na tomada de decisão a questão de valor versus volume, para consumo alimentar, tanto em casa quanto no foodservice. Ao comer fora, os consumidores provavelmente darão mais valor a opções que proporcionem experiências e sabores únicos e agradáveis. Isso abrirá espaço para que as marcas invistam em sabores únicos, pratos e decoração instagramáveis​, e serviço diferenciado como forma de agregar valor a produtos e serviços.

Se o trabalho remoto (home office) se tornar mais presente nesse período, o serviço de alimentação fora de casa sofrerá, especialmente as opções que atendem principalmente os trabalhadores de escritório durante o almoço, como restaurante por quilo e locais de almoço executivo e prato feito. No entanto, em longo prazo, com alguma recuperação econômica e à medida que os brasileiros ficarem menos preocupados com a exposição ao vírus, a categoria deve começar a se recuperar. O retorno de grandes eventos culturais e de entretenimento, como campeonatos de futebol, desfiles, Carnaval, festivais de culinária, feiras, festival de música e outros, será o catalisador para a recuperação local da categoria, pois todos são bastante associados à comida e bebida, principalmente as alcoólicas.

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